As gerações se sucedem a cada trinta anos. Nasci em 1950. Em média meus filhos são da geração 1980 e meus netos, em média, da 2010. Seguindo esse raciocínio, meus bisnetos serão da geração 2040 e só vou conhecer algum deles se conseguir ser especialmente longevo, ou se a primeira filha de minha primeira filha resolver encurtar essa média.
Todos os indicativos e tendências atuais apontam para uma possibilidade interessante! A geração dos meus bisnetos, a de 2040, possivelmente será a última geração totalmente sapiens sobre o planeta! Com isso não estou afirmando que receberemos emigrantes vindos do espaço. Não creio nesse evento, também interessante e até possível, mas de uma probabilidade extremamente pequena, embora ficcionistas alimentem toda espécie de mito refutando a minha descrença e eu, secretamente, torça para que eles estejam certos. Além do mais não disponho dos atributos para profetizar uma data para a descida da nave dos extraterrestres! Quando afirmo que a geração de 2040 será a última em que apenas exemplares da espécie Homo sapiens representarão a cereja do bolo da criação sobre a superfície do planeta Terra estou me referindo à observação de coisas reais que estão acontecendo. É só voltar os olhos na mesma direção e você concluirá que, afinal, essa afirmação não é tão descabida quanto parece.
A manipulação genética é um fato. Para o bem ou para o mal iremos usar essa capacidade em nossa própria espécie antes da metade desse século (se isso já não aconteceu!). Essa é a tendência e é inevitável! Inevitável por que temos a capacidade, a curiosidade e a vontade. Apenas esses três fatores transformaram primatas africanos em astronautas em 250 mil anos, a escrita mesopotâmica na comunicação virtual em 5 mil anos e o primeiro canhão na bomba atômica em 600 anos. Pelo visto aprendemos rápido! E não nos preocupamos muito com as consequências. O quarto fator que determina a abertura de todas as comportas sempre foi a necessidade. Nós necessitávamos descobrir e conquistar. Saímos da África e vasculhamos o planeta todo. Levou milhares de anos, mas um dia ele acabou e então alguém apontou o dedo para o céu e resolveu que faltava aquela ilha lá em cima. Aprendemos a anotar, calcular, comercializar e quando necessitamos de mais espaço, mais rapidez, mais controle, mais lucro, mais produtividade, mais pesquisa, mais conhecimento, transformamos os métodos e eles evoluíram para o computador e para a internet e há quem afirme que não vamos parar antes de esbarrar na inteligência artificial. E as necessidades na guerra justificaram a espetacular rapidez nas ações. Em 40 anos a teoria da relatividade de Einstein se transformou na destruição de Hiroshima e Nagasaki. Não somos apenas rápidos. Somos perigosos.
Se algo ainda freia o movimento em direção à aberta manipulação genética humana é o volume da argumentação que defende os questionamentos éticos; o que, para o bem da verdade, não funciona na mesma medida nas variadas culturas espalhadas pelo planeta!
As necessidades se justificam pelo próprio conhecimento em si, pelo interesse da indústria farmacêutica, pelo aumento da força e da resistência, pelas necessidades de adaptação espacial, climática, funcional, militar, pelo propagado aumento médio da capacidade física e mental do seu filho, pela luta contra as doenças e contra a morte, e por aí vai.
Em 2100, quando andarem por aqui os bisnetos dos meus netos, esse parágrafo acima já será uma realidade! Algumas insinuações contidas nele podem ter lhe causado arrepios, mas outras você até viu com bons olhos! Pouco importa se Aquela Superpotência cria soldados geneticamente modificados, fortes como touros e com cérebros de nabo. A mesma tecnologia permite que meu filhinho querido possa ser saudável e inteligente, além dos melhores sonhos de todos os papais e mamães.
Isso tem um lado ruim, mas também tem um lado bom!
O lado ruim é óbvio. Se princípios comerciais puderem ditar as normas de uma engenharia genética voltada para as necessidades corporativistas seriam abertas as portas para as mais grotescas aberrações, que deixariam a visão de Aldous Huxley, em Admirável Mundo Novo, no chinelo. Por outro lado, o auto rotulado Homo sapiens, descolado da cultura que ciou, dá sinais de ter chegado, biológica ou moralmente, a um beco evolutivo! Nos últimos 40 mil anos fez coisas incríveis, mas não evoluiu na mesma proporção que as coisas que ele próprio criou. Retire da espécie suas conquistas tecnológicas e solte os seres humanos num lugar de recursos escassos e eles regredirão para uma nova idade média em um dia. É claro que podem se valer da tradição oral e reaprender parte do que sabiam, apresentando, em talvez 4 ou 5 gerações, outra configuração histórica…
Mesmo afirmando que a cultura humana é a parte exteriorizada de sua própria evolução, não é possível negar o fato de que no momento em que os homens fossem largados às próprias custas e nas primeiras décadas de luta num ambiente hostil, se mostrariam como animais, inteligentes e imprevisíveis, agressivos e potencialmente assassinos, inevitavelmente ladrões, e estupradores sempre que possível. Evolutivamente pouco diferentes dos primeiros exemplares de 40 mil anos, ou talvez até mais bárbaros, contrariados pelo injusto revés….
Nossa tecnologia deu saltos assombrosos, mas nós não evoluímos. Está certo que não houve tempo para isso, afinal, uma espécie se contorce por milhões de anos para apresentar um resultado satisfatório e adaptado ao seu habitat. Nós apreendemos a adaptar os habitats, ocasionalmente destruindo-os no processo, mas nunca vamos nos adaptar a nenhum deles. E, em nosso atual estágio biológico, podemos repetir essa experiência, frustrantemente, incontáveis vezes…
E por essa que me atrevo a dizer que a revolução genética que bate a nossa porta pode ter um lado bom. Somos experts em mudar as coisas sem medir as consequências! Talvez tenha chegado a hora da mudança final! Vamos mudar a nós mesmos. Se no corpo atual nossa evolução emperrou, quem sabe possamos criar uma combinação genética, ou um habitat genético, mais favorável? E a ética? Alguém gritou lá nos fundos. Ética! Parece que esse era o nome da pedra que caiu na cabeça dos dinossauros há 65 milhões de anos…
Seguindo a história dos bisnetos dos meus netos vou brincar de profeta da manipulação genética, já que dos aliens não sou, e inventar uma pequena ficção em cima do tema.
Em 2200 apenas a espécie, digamos, Neo-Homo (já que tudo precisa ter um nome!), estará fisicamente capacitada a participar dos programas de exploração espacial. Antes de 2400 a presença do Neo-Homo na vida política e econômica do planeta já terá uma massa crítica determinante. Haverá movimentos e revoltas contra o aparente segregacionismo aos humanos inferiores. Rígidas leis de eugenia proibirão a miscigenação. Os inferiores terão sua natalidade controlada a um filho por casal. Em 2700 os novos humanos terão transformado o planeta num paraíso habitado por 2 bilhões de novas pessoas e conquistado uma quase imortalidade. Antes do ano 2800 os 100 mil humanos inferiores remanescente são alocados em reservas controladas onde poderão ser visitados e estudados. No ano 2950 (mil anos após o meu nascimento!) morre o último e deprimido descendente dos Romacof. Na virada do próximo milênio, a elite Neo-Homo, às vésperas de partir para outra galáxia, vive um dilema: deixa os últimos Homo sapiens entregues a própria sorte? Ou, bondosa e preventivamente, promove a extinção programada da espécie, incapacitando-os reprodutivamente, pois, como se sabe, eles são persistentes, vingativos e perigosos…
Mas, pensando bem, quem nos garante que o Neo-Homo será santo e merecedor de herdar o futuro?